segunda-feira, 21 de setembro de 2009

5 horas.

5 horas, chove como há muito não chovia,
Abrem-se capas e guarda-chuvas n'uma bizarra sintonia,
E o estrondo que faz a água no metal de meu telhado,
Me deixa retraído, sofrido, enclausurado...

Percebo porém, que o sentimento que me causa a chuva,
Ao invés de medo deveria ser culpa.
O que importa se me abalo com a eterna oscilação,
Fugaz, violenta, de mais uma paixão,
Se na rua, agora, jaz um ser, largado, no chão?

E esse ser é como eu um homem
Mais, poderia dizer,
Sofre de frio, de fome,
Enquanto o que me faz sofrer
não tem forma, nem nome.

Ele sofre mais...
Pois não é por viver largado na cidade,
Que pulse nele a vida como em animais,
Eles, heróis dos sinais,
Também amam, sofrem e sentem saudades.

Tenho mais em comum com esse homem
Que jamais ousaram imaginar,
Pois somos todos meros errantes,
E a comodidade que nos faz distantes,
Tem como areia seu fraco pilar...

sábado, 19 de setembro de 2009

Homem de flores

Branco, rosa e amarelo.
Tríade de cores divinas,
Que enfeitam a barraca de flores,
Sozinha, em minha esquina.

Em tal manancial de odores,
(do campo, de paz, de amores)
Não há nesse mundo, meus senhores,
Quem desconfie que por trás de lírios,
Exista tristeza, abandono e vazio,
Que fazem correr um rio
De pesadas lágrimas doces.

Por trás das vistosas flores,
existe um homem, uma história,
De cansaço, suor e temores.

O homem de trás das rosas,
ganha a vida fornecendo
O amor que lhe foi roubado,
Na forma de margaridas,
Sofridas... Sofrendo...
Sendo vendidas a idiotas,
Por um punhado de trocados.

Somos todos podres flores!
Que mimadas e relocadas,
Perdemos nossos valores.

Pois não são elas,
Arrancadas da firme terra,
Para enfeitarem, dentro de vasos,
As 6 bilhões de janelas?

De que importa, nesse mundo errado,
Nossas vidas e passados,
Se seremos sempre julgados,
pela beleza de nossos vasos?!

Mais ainda vivo de esperança,
Pois vale mais o barro suado
Que o diamante encravejado,
Para os olhos d'uma criança
Uma vez que o barro é solto,
Sempre a ser moldado,
Enquanto o diamante, travado,
É pra sempre estagnado,
Eterna fonte de dores...

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Pecado?

Um homem que guarda com devido louvor,
O humilde pedaço de pão bolorento,
Ouve assustado e com estopor,
As hienas circulando-o com seu grito nojento:
És podre, és pobre, pecador avarento!

E quando nosso amigo, feliz e contento,
Com sua companheira se amam ao vento,
Crocitam os corvos pungentes tala agulha;
És fraco, és crasso, és pura luxúria!

E o irmão do campo que todo dia se aleja,
A arar terra alheia com o estomago vazio,
Vê o senhor coronel, gordo em fastio
E ao comparar tal riqueza com sua vazia tigela
Chingam-lhe os urubus, parados na janela;
Pecador, imoral, lotado de inveja!

E ao comer sem descanço,
Com as mãos sua quentinha,
Silvam as cobras peçonhentas no canto,
Malogram a criança de vida tão dura;
És podre, nojento! Recheado de gula!

E aindo o irmão que labuta de sol a sol,
Rachando, incessante que a todos agita
Ouve triste o julgo do rouxinol,
Que magnâmio de cobiça, que estraga, ele grita;
Malandro, vagabundo, o que tens é preguiça!

E se uma noite inocente,
O irmão sente a porrada estridente,
Do monstro policial,
E enraivado o desarma e sem pensar atira.
Fala a sociedade, de sapiência infinita;
És crime, imagine... Caso de ira!

E dessa lista de sete,
De veracidade incerta,
Só um dentre todos os falta,
A soberba de todos, que sempre os testa!
Pois o irmão que se vê com devida prosperidade,
Faz sem pensar o que não lhe foi feito,
Vai às ruas dessa hedonista cidade;
Pra ver, viver, respirar caridade.

Então cabe à mim, a você ou a nós?
Julgar e descriminar sem ter porque,
O homem largado que vive à merce,
Sozinho, sempre, sob o manto lunar...

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Meia vela

À luz da meia vela,
Um homem encurvado
Lê um livro desencapado,
Jogado n'um canto da cela.

Vê histórias de homem normais,
Que pela luta honraram a vida,
De fracassos e feridas,
De um jeito que já não se vê mais.

Meia noite, meia vela,
E a escassa meia tigela,
Traz a intragável comida singela,
Que alimenta um sonho inefável;

Meia noite no terreiro,
Onde batem mil tambores,
Que louvam os guerreiros
que suplantaram suas dores.

Cai o homem no açoite!
Cai junto também a noite,
Levando a calma embora,
Como um prelúdio que triste outorga
A chegada da aurora.

Meio dia, meia vida,
E um homem fatigado,
Ouve o escárnio desgraçado,
Do malogrado carcereiro.

Dia duro, dia inteiro,
E o trabalho que muitos consagra,
Esse homem só estraga,
A labuta dura e escrava,
Sob o olhar do carcereiro.

Volta a noite e no terreiro,
O batuque costumeiro,
Aumenta seus tambores,
Que inflam a ferida alma,
Do guerreiro do coração de magma.

Já vem noite, dez da noite,
E ao levantar seu podre chicote,
O carcereiro sente-se em choque,
Pois antagônico ao castigo mortal,
Que aplica banalmente,
Surge na mão do prisioneiro,
Um brilho de metal pungente!

E brandindo seu punhal,
O guerreiro ganha a noite!
E com o grito dos tambores fortes,
Faz repentino, um profundo corte,
Que acaba com a injusta sorte,
Do inverterado animal.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Poderia falar do leve beija flor que descreve sua trajetória,
Do ar mais puro do qual meu pulmão se enche,
Ou do confortável sangue que em meu corpo corre quente.
Porém, ainda que em tal ambiente, minha alma faz-se ausente,
Como também minha mente, presas à mais uma triste história,
De mais um dos sofridos, das milhões de urbes irrisórias.

Já não posso nem pensar no beija flor e sua trajetória,
Pois existe uma história, marcada de dor e glória, que é muito mais notória,
Do moleque sem casa, vulgo delinquente, marginal,
Que luta insistentimente, de sinal em sinal.

E a sensação mais sincera que senti em minha vida,
Veio dos olhos cortantes d'uma pobre menina, de fisionomia deveras sofrida,
Que indendente de tudo continuava a fuzilar-me com seu olhar,
Fazendo com que a torre mais imponente começasse a oscilar.

E naquele que pra mim foi o maior de todos os momentos,
As palavras, d'uma só vez, cairam no esquecimento
E exoneradas foram de todas as milhões de páginas.
Nessa inefável situação em que se embargou minha alma,
A única coisa que saiu da minha boca foi uma pesada e triste lágrima.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

E meio a gritos, buzinas e luzes,
Vê-se um homem deslocado,
que em seu dorso calejado,
carrega infinitas cruzes.

Devagar... calado...
Em seu caminho deturpado,
segue o homem a carregar
o lixo reaproveitado,
que vai se amontoando sem parar.

E após inúmeras ruas desbravar,
O homem permanece na luta a ofegar,
Porém, como o colibri abre as asas e começa a voar,
Seu cansaço, inimigo, começa a mudar,
E devagar, bem baixinho é que se ouve o assoviar.
Que cresce, crece, e é com devido espanto que ouve-se um cantar;

Embora muito tenha para sofrer e para chorar,
Sou feliz e por isso canto, e por saber transformar,
Na mais leve melodia todo esse meu pesar.
E tem gente que só chora, se afasta e se suplanta,
Faz isso porque não canta e se afunda em penar


E o morro deflagrado, do homem de outrora calado,
Faz imenso ao luar, com sua gente, sua vida, seu canto a soar.
E o homem que carrega o lixo alheio, de mais um dia sai inteiro.
E se sente o mais feliz do mundo! Com sua família toda noite, na mesa de jantar