quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Suplício

E se de repente, retumbante como um raio,
Eu te olhasse de soslaio, e soltasse um grito estridente?
Que insistente arrebenta o que já não passa de cascalho,
E que nunca valeu nada, só a dor do irmão valente.

E seu parasse e dissesse que não?
Que não quero mais compactuar,
Não quero mais estar só, são.
E como quem pede perdão,
Nunca mais me deixasse levar.

E se n’um momento de perdição,
Do alto do meu prédio,
Eu achasse que o único remédio,
Era bater minhas asas(inexistentes),
E alçar-me em vôo (inconseqüente) inflado pela solidão?

Seria fraco! Seria podre!
Só mais um dos sofredores,
Que não agüentaram a pressão...

Então, me diga, vos suplico!
Qual a formula pra manter-se vivo,
Frente tanta desilusão?
É ignorar, tapar o ouvido?
Ou tirar o teto de quem já não tem chão?

No turbilhão avassalador,
Ao qual se entregou minha razão,
Perdi-me no caminho errado (ou certo),
De ter ousado gritar que não.

sábado, 22 de agosto de 2009

Cadeira de Palha

Como um fio eterno de chuva,
Constante em seu movimento,
É o entrelaçar da palha crua,
Que unida, ainda que fragil, fornece sustento.

Ví homens de muitas glórias,
Grandes e de espírito sedento,
Não obstante, meu sentimento,
Diz que são como poeira ao vento,
Todo seu leque de vitórias.

Ainda que, em muito, minha dor
Prejudique meu discernimento,
Vejo com muito mais amor o empalhador,
Que faz da calma seu instrumento,
Que o guerreiro em seu esplendor,
Que de tão grande apodrece por dentro.

Até as árvores e sua beleza gritante,
Padecem para serem semblante,
Da arte de trançar a palha,
E ainda que à poucos valha
A labuta do empalhador,
Seu brilho em mim tudo ofusca,
E faz-se infinito em valor.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Espanto

Se a lágrima que cai,
É o que a alma afugenta,
Minha vida se esvai,
Como a água voraz
Em noite de tormenta.

E se o grito que sai,
É o que a alma arrebenta,
Barulho já não faz,
O grito incapaz,
Que na garganta se assenta.

Mas se o olhar que brilha,
É o que alma alimenta,
Meu olho, antes molhado,
É tanta alegria,
Que não se agüenta fechado..

E se a voz que canta,
É o que a alma agiganta,
Minha antiga garganta,
Silenciosa em chorar,
De repente se espanta
Com criança que dança,
E a todos encanta,
Feliz a cantar.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Caleidoscópio II

Surge ao fim do horizonte,
O astro rei, eterna fonte,
Que faz claro todo o sombrio,
E traz calor a tudo que é frio.

Em mesmo corpo celestial,
Um milhão de variedades,
Uma para o seringueiro leal,
Outra para o nobre executivo da cidade.

Às 6 da manhã, desse inefável caleidoscópio,
Acordo o executivo com o berro de seu relógio,
Também acorda o operário, do ABC, da Praça da Sé,
Com o silvo matutino que faz o bule de café.

Na casa do gari,
livre, leve esperança,
Tem no abraço de sua criança,
A melhor razão para existir.

Já de pé e atrasado,
Logo cedo o empresário,
Desce rápido o elevador do prédio,
Engolindo a seco, sua pilha remédios.

Urge o tempo e apressado,
O executivo, recém acordado
de seu pesadelo de horrores,
Chora por uma voz que aplaque seus temores.
Mas a primeira voz que ouve é a da bolsa de valores.

Juntos, meus senhores,
Nesse perfume de infinitos odores,
Nessa marcha de mil corredores,
Vive o empresário e seus credores,
O executivo e seus temores,
E o operário e seus amores.

No paradoxo da vida e seus sabores,
Ouve-se o rufo dos tambores,
E a sapiência dos oprimidos:
Ao lado das mais lindas flores,
Também nascem podres espinhos.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

O mundo visto por baixo

Tão grandes são os homens,
Vistos do andar de baixo,
Austeros e triunfantes,
E a ganância que os faz galantes,
Faz crasso o irmão errante,
Que se arrasta por pés descalços.

Um dia eu, guerreiro do asfalto,
Que da vida fui feito infausto,
Julguei-me apto a ser pensante;
Observei os podres gigantes,
Que com suas mãos ao alto,
Oravam por um Deus distante.

Perdoem a mim senhores, um ser ignorante,
Mas é que me passou por um instante,
Um pensamente instigante, sobre a vida dos gigantes.
Por que gritam aos céus, e a seu Deus da misericórdia?
Por que pede que outro resolva a desgraça que ele próprio forja?

Oh, gigantes, tão servis e bondosos!
Com seus ossos já nodosos,
De tirarem o alheio sangue.
Não lhes passa por um instante?!
Que suas rezas incessantes,
Não ajudam o irmão errante?

Esperam parados a solução. Cruéis!
E a benção do alto, celestial,
Pedem por Pedros, gritam Miguéis,
Enquanto um sem-nome, marginal,
Morre de fome a seus pés.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Brado da normalidade

Quero antes a pacata e justa
Beleza daquilo que é pouco,
Que a magnâmia beleza augusta,
Do desejo grande que se faz oco.

Infinitas vezes morrer na luta,
Daquele que tem tão pouco,
Que cercar-me em riqueza pútrida
E de tão podre, quedar-me morto.

Antes banhar-me na água suja,
Que repousar em banheiras d'ouro.
Melhor me saciar da água crua,
Que me afogar em teu tesouro.

Ainda que pouco posso dizer que é meu,
Minha alma corusca de orgulho.
Já a tua, glória e muro,
Algoz de seu tugúrio, é aquilo que te corrompeu.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

João

João era um homem normal, desde muito criança abismavam-se com sua pouca ganância, seus pacatos desejos, inefáveis anseios, de ter tão pouco. Indagavam-se todos sobre qual seria o problema daquele menino, dispensava presentes, não via o prazer da louca vontade de ganhar tudo, passava incontáveis horas soltando pipa, prazer que lhe foi arrancado devido à falta de competitividade, e por mais que tanto o estranhassem, era feliz. Por volta dos oito anos, as preocupações familiares começaram a tomar um tom no mínimo doentio; exames sendo feitos, horas de psicanálise, diferentes psiquiatras, para descobrir o que de tão errado abalava aquele menino. Menino que queria tão pouco. O status quo do problema fazia-se gritante nas irracionais modalidades de esportes e competições que o garoto era enfiado. Não que não gostasse das coisas que todos os meninos gostam, porém se via em João um prazer diferente, só dele, uma felicidade que paira, etérea, independente de vitórias ou derrotas. Tanto fizeram, tanto tentaram achar erros no menino, que finalmente o conseguiram. De uma criança calma e bondosa, João foi tornando-se um adolescente ganancioso, rude e prepotente, visto tanta insistência dos outros de o transformarem em um igual. O tempo foi passando e os mesmos psicólogos, psiquiatras que João era obrigado a freqüentar, tornaram-se imprescindíveis. Os problemas de outrora tão procurados agora vinham aos montes, surtos esquizofrênicos, complexos dos mais absurdos, ápices de bipolaridades, tanto, tantos problemas naquele menino que queria tão pouco. João cresceu, tornou um executivo brilhante, mantinha um hobby tão respeitável entre seus semelhantes, quando não estava no trabalho ou em galantes festas, apostava.em quase tudo. Só a sensação de ganhar o inebriava por um momento, como uma morfina para todos suas náuseas internas. O agora respeitável João vivia na alternância de carreiras de cocaína e fortes remédios para dormir, bebia incontáveis copos de café por dia. Fez grande fortuna, casou-se três vezes, 4 filhos, não sabia o aniversário de nenhum deles. O mais estranho disso tudo, e que João escondia como quem esconde um homicídio, eram os surtos, que vinham se tornando constantes, de choro e raiva que João sofria ao cair das noites. Quando as luzes deitavam-se, e ele se via sozinho no escuro, era abarrotado por um bilhão de arrependimentos, gritos, giros, até que ele dobrava a dose de seu fiel remédio. Por volta dos 50 anos, João atingiu o ápice de sua carreira, premiado executivo, capa de revista, ícone para os novos executivos. Agora freqüentava três psicólogos diferentes por vergonha de chorar tanto, dizer tanto, sofrer tanto diante de apenas um. Não era feliz, queria sempre mais, incansavelmente, suas autocríticas eram severas, queria sempre mais, sempre mais. Até que um dia, o agora chefe João, não apareceu no trabalho, acharam estranho, estranhíssimo para falar a verdade, todos os sete celulares de João davam desligado, não fora visto em nenhuma das suas casas de praia. Foram até sua casa, e devido velada porta trancada, chamaram um chaveiro e a arrombaram. Na cobertura duplex de João só se via móveis jogados, mesas reviradas, aparelhos quebrados, porém nada roubado. Até que subiram ao segundo andar, e o choque foi tremendo. João, o respeitável homem de negócios, o milionário João, soltava pipa sem ver ninguém, com o olhar vidrado e o corpo em constantes espasmos. Tentaram acalmá-lo, inutilmente, ele não via ninguém, balbuciava palavras incompreensíveis. João sofrera de um surto psicótico irreversível, razão? Cobrava-se demais, não dormia faziam duas semanas, virado à base de remédios e pó. João enlouqueceu porque queria muito. Logo ele, que só queria ser pouco.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Devaneios insanos?

No cintilar do lustre de cristal,
Um turbilhão de pensamentos,
Vidas, mortes, milhares de nomes,
Centenas de gritos e arrependimentos.

Na confusão da minha mente,
Me perdi pro infinito
Das angústias tão veementes,
Que se deflagram em meu grito.

E o cintilar dos podres vidros,
Me enlouquecem em um instante,
Pela ponta de seu brilho tão bonito,
Vejo escorrerem gotas de sangue.

Preso dentro do furacão,
Que me assola e me arrebenta,
Será a loucura a solução,
Pro eterno mal que me atormenta?