quarta-feira, 5 de agosto de 2009

João

João era um homem normal, desde muito criança abismavam-se com sua pouca ganância, seus pacatos desejos, inefáveis anseios, de ter tão pouco. Indagavam-se todos sobre qual seria o problema daquele menino, dispensava presentes, não via o prazer da louca vontade de ganhar tudo, passava incontáveis horas soltando pipa, prazer que lhe foi arrancado devido à falta de competitividade, e por mais que tanto o estranhassem, era feliz. Por volta dos oito anos, as preocupações familiares começaram a tomar um tom no mínimo doentio; exames sendo feitos, horas de psicanálise, diferentes psiquiatras, para descobrir o que de tão errado abalava aquele menino. Menino que queria tão pouco. O status quo do problema fazia-se gritante nas irracionais modalidades de esportes e competições que o garoto era enfiado. Não que não gostasse das coisas que todos os meninos gostam, porém se via em João um prazer diferente, só dele, uma felicidade que paira, etérea, independente de vitórias ou derrotas. Tanto fizeram, tanto tentaram achar erros no menino, que finalmente o conseguiram. De uma criança calma e bondosa, João foi tornando-se um adolescente ganancioso, rude e prepotente, visto tanta insistência dos outros de o transformarem em um igual. O tempo foi passando e os mesmos psicólogos, psiquiatras que João era obrigado a freqüentar, tornaram-se imprescindíveis. Os problemas de outrora tão procurados agora vinham aos montes, surtos esquizofrênicos, complexos dos mais absurdos, ápices de bipolaridades, tanto, tantos problemas naquele menino que queria tão pouco. João cresceu, tornou um executivo brilhante, mantinha um hobby tão respeitável entre seus semelhantes, quando não estava no trabalho ou em galantes festas, apostava.em quase tudo. Só a sensação de ganhar o inebriava por um momento, como uma morfina para todos suas náuseas internas. O agora respeitável João vivia na alternância de carreiras de cocaína e fortes remédios para dormir, bebia incontáveis copos de café por dia. Fez grande fortuna, casou-se três vezes, 4 filhos, não sabia o aniversário de nenhum deles. O mais estranho disso tudo, e que João escondia como quem esconde um homicídio, eram os surtos, que vinham se tornando constantes, de choro e raiva que João sofria ao cair das noites. Quando as luzes deitavam-se, e ele se via sozinho no escuro, era abarrotado por um bilhão de arrependimentos, gritos, giros, até que ele dobrava a dose de seu fiel remédio. Por volta dos 50 anos, João atingiu o ápice de sua carreira, premiado executivo, capa de revista, ícone para os novos executivos. Agora freqüentava três psicólogos diferentes por vergonha de chorar tanto, dizer tanto, sofrer tanto diante de apenas um. Não era feliz, queria sempre mais, incansavelmente, suas autocríticas eram severas, queria sempre mais, sempre mais. Até que um dia, o agora chefe João, não apareceu no trabalho, acharam estranho, estranhíssimo para falar a verdade, todos os sete celulares de João davam desligado, não fora visto em nenhuma das suas casas de praia. Foram até sua casa, e devido velada porta trancada, chamaram um chaveiro e a arrombaram. Na cobertura duplex de João só se via móveis jogados, mesas reviradas, aparelhos quebrados, porém nada roubado. Até que subiram ao segundo andar, e o choque foi tremendo. João, o respeitável homem de negócios, o milionário João, soltava pipa sem ver ninguém, com o olhar vidrado e o corpo em constantes espasmos. Tentaram acalmá-lo, inutilmente, ele não via ninguém, balbuciava palavras incompreensíveis. João sofrera de um surto psicótico irreversível, razão? Cobrava-se demais, não dormia faziam duas semanas, virado à base de remédios e pó. João enlouqueceu porque queria muito. Logo ele, que só queria ser pouco.

2 comentários:

Lívia H. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Lívia H. disse...

Existencial e super atual. Tá lendo muito Sartre? Amei.